28. Demolição...28
Ao lado daquela pilastra, perto dos azulejos de pequenas flores azuis, debaixo dos escombros, fomos felizes.
Ali, onde a escavadeira come paredes e o concreto cai como isopor, num empurrão tão leve, ali você me parou, as mãos nos meus ombros, os olhos entre surpresa e alegria, a promessa de algo, parecia, ali você colocou as mãos nos meus ombros antes de sairmos à calçada, os estômagos cheios de cerveja e pão e madrugada, você colocou as mãos nos meus ombros, sorriu e disse….nada. Ali, na saída, onde ficava a portão de ferro que logo desceria, decretando o fim do expediente, onde garçons de olheiras e ares doentes - as camisas amassadas, dobradas até os cotovelos - esperavam para expulsar-nos, mas ainda não, nós dois na saída antes da calçada, suas mãos nos meus ombros, a expressão cansada, mas seus olhos entre surpresa e alegria, alguma coisa seria dita, eu tinha essa mania, a de adivinhar suas palavras. O que foi? “Nada...eu te levo até em casa”.
Ali, detrás do tapume, entre os montes de terra e as primeiras estruturas de cimento, ali debaixo do céu de dezembro, protegidos por medo e fingimento, dançamos a chegada do ano numa noite sem tempo – esquecemos os relógios e talvez fossem onze e uma e cinco e não tínhamos fome, porque os amigos bebiam e batia um bom vento e, apesar da cidade vazia, a sala era minha, a vida, vadia, nas mãos, uma caipirinha, na boca, um lamento. O país entrava em derrocada, o novo presidente era um crápula, dançávamos de qualquer jeito. O pátio diminuto com seu Cambuci único era, para nós, imenso.
Bem ali, ali onde o bate-estaca trabalha, entre os homens de cinza e vermelho, ali eu inspirei profundamente de olhos fechados, budas e incenso, ali entoei mantras, observei a aura de um iogue velho. Estiquei meu corpo até as câimbras e me espiei, furtiva, no espelho, ouvi a professora argentina repetir: “nada de sofrimento, quero cara de bello”. Ali onde caíam as sombras melancólicas do dia, nas manhãs de inverno, sobre o banco de madeira em que uma colega vendia seus bolos, pedaços de chocolate, coco e caramelo. Cinco reais um, oito reais dois, ela dizia, já prendendo os cabelos. A aula logo começaria, precisava ser rápido, firmes na postura, chicas, quero cara de bello.
Mal suspeitam os empreiteiros com seus peitos inflados e Porsches prateados, desconhecem os pedreiros com seus dedos calejados e olhos irritados, mal sabem os engenheiros com seus bônus acumulados, sequer desconfiam eles que ali, justamente ali, bem ali ao seu lado, fomos felizes.