53. Imagens que não podem ser esquecidas...53
Imagens que não podem ser esquecidas:
1. Dois torsos nus no caminho de volta da escola. Ele, de bermuda jeans; ela, de short de uniforme azul. Um torso largo e gordo e suado, que começa onde termina a cueca vermelha: lê-se “Cavalera” em grandes letras pretas, na parte de cima. Outro estreito e ossudo e branco, onde se contam as vértebras lineares de uma menina.
Ele, a careca reluzente, um pouco queimada no topo. Ela, um rabo de cavalo frouxo até a metade das costas, à mostra. Ela, as mãos franzinas, vazias para se equilibrar no canteiro de ervas daninhas. Ele, uma mochila cor-de-rosa nos ombros, desviando o skate das poças. Ela, você não me pega, papai. Ele, volta aqui, neném. Ela, você é lerdo, papai. Ele, você vai ver quem! Ele, de peito ao vento, livre. Ela, provisoriamente – no curto intervalo dos anos –, também.
2. O homem que sobe os degraus da estação do metrô de dois em dois, mas entorta a mão.
3. Os azulejos salmão e o balcão amarelo na gráfica da rua Fagundes, onde pode bem ser 1985 – uma sensação desconcertante, desorientante, de tempo perdido –, não fosse o apito das máquinas.
4. Os dois cachorros filhotes da casa da esquina: um melancólico e distante, os olhos vermelhos caídos, o outro atento e ativo, que insiste em dar a pata – talvez mais cativo –, apesar da mesma idade.
5. As duas borboletas amarelas que brincam, levíssimas e brilhantes, entre os troncos combalidos – ninhos mortos, galhos retorcidos –, em meio ao trânsito da avenida.
Essas imagens, que não podem ser esquecidas, por dever e impossibilidade e mistério. Talvez os fotogramas de um passeio, talvez o segredo de uma vida.