49. Iminência...49
A casa entra em ruínas, as paredes descascam-se em manchas de cimento cercadas pelo branco. A grama cresce descontroladamente, esticando-se em direção às nuvens cinzas. O teto de gesso cai. Ela escreve as mesmas respostas, as exatas justificativas. Neste texto crê, inocente!, que não haverá rimas. Avisa-se antes que comece (o vem e o vai).
Tudo acaba. Ou melhor, ainda nada. Mas tudo está prestes a. Iminência é uma palavra malvada, deveras. Cuidado com elas, atenção às pequenas, podem correr e podem matar. Mesmo quando ninguém se importar com as tardes vazias, ainda assim, haverá dias em que nenhuma letra significará e se derrubará a casa e se perderá a vida já vivida assim como a sonhada. Do que ela fala? Ainda de nada. Iminência, essa sim, é uma palavra malvada.
Ela faz contas invertidas. Quanto falta, nunca quanto sobra. O resto se esconde na sombra, na dobra do não-vivido. Nem os amigos poderão salvá-la. Falta, aperta, resta, o quê? Ainda nada. Cuidado com elas, com as pequenas. Podem fugir e podem matar.
Terminará este texto na volta de uma caminhada, sem dúvida. Ainda não é a hora das corujas, ainda há tempo de tentar.
(Retorna. Mora na página com uma cigana: está um pouco aqui e um pouco lá. Aliás, do que fala, afinal? Ainda de nada, nem do bem, nem do mal, mas do que está a caminho de virar, de tombar como uma nau no mar agitado, onde um velhaco divino dita destinos, aponta trajetos trocados, brinca com os ducados um dia determinados como certos: aí estão, aí ficarão, pois bem, nada mais errado. Poderão sumir como num truque de mágica, serão o átrio das desgraças, não permanecerá a casa, as terras, o dono, ou a lisérgica razão. Coincidência, não, iminência, essa sim, é uma palavra malvada.)
Sente-se inadequada, agora que está de volta. Este texto deveria ser a horta dos seus pensamentos, mas levanta-se – leva-se – com o vento dos maus presságios. Não aguenta os pressentimentos, ressente-se do argumento que defende, nasce como equivocado. O texto não quer que tudo acabe, não quer se prender às grades da desesperança, preferiria, por natureza, a dança leve das crianças. Mas teme, por imposição de sua senhora. Ela acredita que deve preparar-se, arrumar-se para o fim, e não ceder aos desenlaces da vontade pura, do desejo, dos credos persistentes, dos dentes que mordem sem saber se há polpa ou semente. O texto, esse sim, quer libertar-se.
Ela pondera. Também está cansada. Não é porque lhe escapa a alma que seja desamada. Ama a um e a outro pretendente, mas não pode negar: é temente demais, mais do que lhe apraz. Tenta negociar, hesita, manda. Mas se revolta o texto, imediata e apressadamente. Ele diz a ela: asseguro, pelo muro sobre o qual caminho, aos saltos, de tanto e tanto, que não haverá mais desencanto. É tanto uma ordem como um canto. Afirmo por mim mesmo: não sou soberbo, sou liberto e, se estivesse mais perto de ti, te puxaria ao que considero como o jeito esperto de viver, não a iminência de morrer – que palavra malvada! –, mas subir degrau a degrau, aos poucos e sem remorso, a infinita escada. Não importa, querida majestade, se é subir ou descer, mover-se, isso sim, é para mim a única (a última!) verdade.
A casa ainda se desfaz, mas hoje não ruirá. Ela dorme e sonha com ser capaz de arrumá-la ou nada disso, passa a tarde na sacada, a observar os grilos que desfilam em procissão arregimentada pela sorte, essa sim, palavra consorte – e mais sana!, proclama o texto – para sua desditosa soberana.