42. Flughafen...42
No ensaio em que detalha os motivos por que escreve, Joan Didion cita um aeroporto. É umas das “pictures in her mind”, das imagens que se formam em sua mente e a impulsionam a escrever – uma mulher cruzando o salão principal de um cassino em Las Vegas à meia noite, as luzes da baía de Cartagena numa madrugada febril, o calor que emanava da pista do aeroporto do Panamá às seis da manhã. “Eu vivi naquele aeroporto por muitos anos”, Didion diz.
Hoje mais cedo, descobri que vivo numa noite de inverno no aeroporto de Berlim. São sempre oito horas e eu sempre estou chorando atrás da porta do banheiro até minha irmã me interromper com um gesto rápido, mas compreensivo, e dizer: “vamos, a gente já conversa”. É sempre o mesmo caminho ermo e gelado até a estação de trem, os corredores cinzas sob as luzes frias enquanto nossas botas ecoam o trajeto. Sempre o mesmo vagão vazio, os mesmos três ou quatro caras mal-encarados de moletons pretos, capuzes sobre a cabeça, os olhos em nós, como se fosse a única parte visível de seus corpos. A dor latejante do choro, os gestos compreensivos, mas rápidos, da minha irmã: “a gente já conversa”.
A mesma sensação de abismo iminente, mesmo que o vagão não pare e os três ou quatro caras não façam nada a não ser nos encarar, sérios, e que o estômago seja cheio no restaurante mexicano sob as pequenas lâmpadas da entrada, o casaco nas espaldas da cadeira, tortillas e empanadas. “Ainda não. Vamos chegar em casa primeiro.” É a mesma caminhada, onde vivo, a calçada ainda úmida e lustrosa da chuva da tarde, poucos carros, as árvores magras, minha irmã tão sábia e tão compenetrada naquela noite. “Ainda não. Vamos chegar em casa.”
A casa que não era dela, mas de uma companhia de teatro, setenta metros quadrados de dois proprietários palhaços. E chegamos, e bebemos um chá, e neste exato instante percebo que não moro mais lá porque então falei e suspirei e cantei sem palavras e dormi como uma tragicomédia sobre o palco da sala – não mais muda, mas tão cansada. E enfim amanheceu.